...Nem

Posted by Vinicius_Andrade | Posted on 22:58


O traficante de drogas mais procurado pelas autoridades públicas, o cara que entrou na vida do crime, supostamente, por conta da dívida com outro traficante que lhe teria emprestado 400 mil reais para uma lendária cura de uma filha que teria raríssimos problemas ósseos, o cara cuja cara estampou cartazes com um cabelo descoloridamente ridículo e um sorriso satânico, um jovem de 30 e alguns anos, o rei da Rocinha, um contraventor, um assassino, um evangélico, um carioca.

Depois de ler a entrevista que a colega Ruth de Aquino, da Revista Época, fez com o sujeito de quem todos temos falado no mês de novembro desse nefasto 2011 (veja aqui a matéria), alguns pensamentos sobre um certo relativismo desse tal Nem, perpassando pela antropologia, sociologia e psicologia do personagem e do caso, me vieram à cabeça. Afinal, uma entrevista na qual se chega à conclusão que o líder maior do crime do Rio de Janeiro possui consciência político-social mais apurada do que muitos políticos, jornalistas, religiosos e estudiosos... é de se ficar, sim, impressionado.

Impressionado. Não há como adjetivar melhor. Em alguma parte da internet vi alguém comentar que a revolta da classe média (essa parcela ridícula da sociedade que dá forma, deforma e reverbera a 'opinião pública') contra o status, contra o alto padrão de vida divulgado pela imprensa do grão-traficante em voga se devia ao fato de não se considerar ainda justa a ascensão social. Ainda não vemos como válida a possibilidade de um morador da Rocinha, seja ele honesto ou desonesto, ter em seu móvel da sala a mesma TV de LCD que temos nos mesmos móveis que ambos compramos, financiado, nas Casas Bahia. Ou em outra loja que seja... Esse é apenas um dos comentários disponíveis no mercado das opiniões e das impressões, espaço que este texto visa, não-humildemente, integrar.

Não concordo com essa afirmação acima não. Pode ser que seja válida pra um ou outro tacanho tipo de personagem de novela travestido de pessoa da vida real. Para mim, o que realmente impressiona é o que o drácula das trouxinhas de maconha e cocaína diz, segundo a jornalista. Ele, como câncer que o intitulam, tem plena ciência de todos os cânceres desta cretina sociedade brasileira. Tem, em seu discurso, um perfeito senso de cidadania, de deveres e direitos, de justiça, de espiritualidade, de pedagogia... É de arrepiar. E de fazer revirar os conceitos que temos sobre 'de onde saem os válidos e bons conceitos'.

A humanização do sacrimpantas matador/aliciador de tropas policiais que a colunista provoca em nós é capaz de fazer com que sintamos certa admiração pelo sujeito. Concordamos com ele! Sabemos que o que ele diz faz sentido, e o pior, é exatamente o que pensamos, caso o conteúdo tenha mesmo saído da boca do homem. É de apunhalar o estômago dar-nos conta de que nós, cidadãos de bem, blablabla, mimimi, que o nosso pensamento está alinhado com o do filha da puta que teria matado a tal modelo da favela de maneira impiedosa por conta de suspeitas de ter cometido um crime imperdoável no morro: o x-9.

Ao tornar pública para a opinião pública tudo que o filho do cão na terra pensa sobre a ineficiência das políticas de segurança, sobre religiões, qualificação de moradores da favela, sobre o Beltrame, sobre o Lula, sobre o PAC e sobre outros tantos, o desconforto nos dá um upper no queixo. Porque, bem... flagrar-se concordando com o lado negro da força é foda. Fomos criados, educados e doutrinados para sermos bonzinhos, não é isso? Então, a partir do momento em que as coisas em que acreditamos saem da boca de um malfeitor e não de um bemfeitor, tudo se inverte. A ordem se inverte. Como numa 'síndrome de estocolmo', na qual a refém se apaixona pelo sequestrado, nos reconhecemos naquelas palavras lindas e tão verdadeiras. Tão confortantes. Tão bonitas!

Mas olha... não é bem assim não. A entrevista com o meliante perigoso me faz lembrar as salutares e intelectualmente violentas discussões que tive com colegas de faculdade e professores sobre o filme "A Queda: As últimas horas de Hitler", película que pretende provocar em nós efeito semelhante. Humaniza-se o inumanizável. Não sou judeu. A causa israelita não me é próxima. Mas é inegável que herr adolf causou imensa atrocidade contra o humano. Como humanizar alguém que desumaniza a humanidade? Não é uma questão de opinião, é uma questão de lógica e de semântica.

Ruth, como tradicional repórter que é, certamente não intencionou fazer com que ficássemos íntimos da psiquê do dono da comunidade por meio de uma obra sensacionalista. O relato é jornalístico, bastante puro em sua essência e tende, ao meu ver, a distanciar-se de certo modo de uma obra de ficção. Quando digo 'não cabe humanizar o demônio' , trata-se de uma crítica a um pensamento meu, coisa minha, que me ocorreu. A minha crítica é contra a conclusão que eu tirei pós-degustação do texto. E, provavelmente, ao senso comum que se criou nas mentes dos que leram a matéria.

Escrevi mentalmente o esboço deste texto enquanto perdia (ou ganhava) o feriado de proclamação da república pensando nas frases desse cara, nessa história de vida tão alucinadamente interessante e absurda. Juro que tentei me desapegar da obviedade que é pensar nas possibilidades exponenciais que a vida coloca à nossa disposição. Julguei, como se juiz fôsse. Pesquisei crimes e atrocidades, acusações, boatos, fatos, histórias. Fui atrás de matérias jornalísticas menos profundas. Fiquei a par dos comentários e impressões dos que considero inteligentes e, espremendo isso tudo, nada de revolucionário saiu. Logo, nada de revolucionário tenho a dizer. Concluir o que? Que eu, você e o Nem sentimos dor, frio, fome e sede?

Sei que senti um bravo de um desconforto em humanizar o inumanizável e um baita de um conforto em refletir sobre isso.

Comments (2)

"The Godfather" tupiniquim.

ou um dos bilhões de MotherFuckers tupiniquins

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